
Analgésico na mesma prateleira que o café e um antitérmico próximo aos chocolates, se a proposta de vender medicamentos em supermercados avançar no Brasil, a conveniência para o consumidor poderá abalar as estruturas de um setor desacostumado com mudanças radicais.
Vale lembrar que o Projeto de lei 1774/19, prevê a venda de medicamentos isentos de prescrição (os famosos MIPs) em supermercados e estabelecimentos similares. Se aprovado, esse projeto pode mudar significativamente a dinâmica do mercado, mas nesse artigo queremos abordar os possíveis impactos para o marketing farmacêutico e redes de farmácias.
O cenário da disputa
Enquanto os defensores alegam que a proposta é um avanço para o consumidor, já que supermercados ampliariam o acesso aos produtos, reduziria preços e aumentaria a concorrência. Do outro lado, há uma forte preocupação com a banalização dos medicamentos, riscos de automedicação, intoxicação e a perda de espaço para orientação profissional sobre o uso correto desses produtos.
Do ponto de vista do marketing farmacêutico, essa mudança pode trazer desafios importantes:
- Expansão de canais: com mais pontos de venda, marcas de MIPs poderiam ampliar sua presença no dia a dia do consumidor, mas isso exigiria um investimento maior em branding e educação sobre o uso adequado de seus produtos.
- Concorrência entre canais: farmácias e supermercados travariam uma “batalha” pelo consumidor, logo as estratégias de precificação, promoção e fidelização precisariam ser repensadas.
- Redução do papel do farmacêutico: sem a obrigatoriedade desse profissional no supermercado, o marketing teria que encontrar formas alternativas de orientar e educar seu consumidor, seja por meio de embalagens interativas, QRcodes, campanhas digitais ou outras iniciativas.
5 transformações que o marketing farmacêutico precisa antecipar
- A commoditização dos medicamentos e a morte da experiência?
Colocar um anti-inflamatório ao lado de enlatados não é apenas uma mudança logística – é um risco de reduzir medicamentos a commodities. Em supermercados, onde o preço reina, como marcas farmacêuticas sustentarão o valor agregado de seus produtos?
A resposta pode estar na humanização das farmácias. Transformá-las em centros de saúde, com serviços como triagem básica, monitoramento de doenças crônicas ou até consultas rápidas, pode criar uma barreira contra a banalização. Enquanto supermercados vendem conveniência, farmácias podem vender saúde e confiança.
Esse já é um movimento que vemos acontecer e que certamente seria acelerado com uma mudança como essa.
- A ditadura do preço e ascensão do marketing de desconto
Supermercados operam com margens apertadas e promoções agressivas. Imagina só uma campanha como “Compre um Dorflex e ganhe 30% de desconto no sabonete” – uma estratégia que, além de banalizar o medicamento, pode deseducar o consumidor.
A saída pode passar por campanhas que vinculem preço justo a benefícios intangíveis, como rastreabilidade de ingredientes ou selos de qualidade, além de um forte esforço em branding, é claro.
- Automedicação em massa: o perigo escondido
A facilidade de acesso pode ampliar a automedicação, problema esse que já é gigante no Brasil, de acordo com uma pesquisa realizada em 2024 pelo ICTQ 86% dos brasileiros admitem tomar medicamentos sem qualquer orientação. A mesma pesquisa revela que 68% dos entrevistados buscam informação na internet antes de decidirem se automedicar.
Se esse cenário realmente mudar, cabe as marcas farmacêuticas investirem em conteúdo educativo – como vídeos explicativos sobre dosagens ou até mesmo parcerias com influenciadores de saúde para garantir que as informações consultadas venham de fontes éticas e confiáveis.
Podemos, inclusive, encarar esse movimento como uma oportunidade de migrar o discurso comercial para o ativismo pela saúde responsável, conquistando não apenas clientes, mas defensores da marca.
4. Regulamentação apertada: criatividade até a página 2
Se medicamentos realmente chegarem aos supermercados, a ANVISA tende a intensificar a fiscalização sobre publicidade para MIPs e as campanhas terão que navegar entre engajamento e compliance, buscando evitar apelos sensacionalistas.
Se isso vai de fato funcionar na prática, só o tempo vai nos dizer.
- Parcerias improváveis: quando o “inimigo” pode ser seu aliado
A tensão entre farmácias e supermercados não precisa ser uma guerra sem fim, eles podem se unir em prol da saúde da população. Um exemplo disso: quiosques de saúde dentro de supermercados, com farmacêuticos orientando o consumidor; campanhas sazonais de saúde para incentivar a vacinação da gripe/dengue ou até mesmo programas de fidelidade que concedam descontos em medicamentos a consumidores que optarem pela orientação de um profissional antes da compra.
E agora, time de marketing farmacêutico?
A venda de medicamentos em supermercados não parece ser uma discussão passageira – é um sinal de que o consumidor moderno exige conveniência, mas não abre mão de segurança. Se essa mudança se concretizar, as empresas precisarão repensar suas estratégias e rápido.
- Comunicação e educação do consumidor, para garantir um uso seguro e eficaz dos medicamentos.
- Posicionamento de marca, evitando a comoditização dos produtos.
- Gestão de portfólio, diferenciando ofertas para farmácias e supermercados.
Muitas perguntas surgem num momento como esse, o que é super natural, mas a resposta pode estar em abraçar a ambiguidade do momento: usar a tecnologia para personalizar experiências, a educação para construir autoridade e a regulamentação como um trampolim para criatividade.
Você trabalha no setor farmacêutico? Está preparado para ver seu produto disputar espaço com achocolatados e snacks? Deixe nos comentários sua percepção sobre o assunto!
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